Em mais uma publicação da série sobre as principais doenças cirúrgicas em crianças, a CIPERJ traz o tema Derrames pleurais associados à pneumonia.

Para falar sobre esta complicação que atinge em torno de um terço das crianças internadas com pneumonia, conversamos com a Dra. Darli Fernandes, cirurgiã pediátrica do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), do Hospital Municipal Jesus, ambos no Rio de Janeiro, e do Hospital Municipal Getúlio Vargas Filho, em Niterói.

Confira, abaixo, informações que servem de alerta para o diagnóstico e alternativas de tratamento dos derrames pleurais pediátricos.

DERRAME PLEURAL ASSOCIADO À PNEUMONIA: DO DIAGNÓSTICO AO TRATAMENTO

  • O que é um derrame pleural?

A pleura é uma membrana fina que envolve o pulmão “por fora” e a parede do tórax “por dentro”. A camada externa fica junto à parede do tórax e a interna reveste diretamente o pulmão. Entre elas está a cavidade pleural, onde vai se localizar o líquido pleural que, em condições normais, atua como lubrificante, facilitando o deslizamento das pleuras durante os movimentos respiratórios.

Um derrame pleural é um acúmulo anormal de líquido na cavidade pleural. Em condições de doença o excesso de líquido se acumula por causa de um desequilíbrio entre a produção (se for excessiva, por exemplo se a pleura está inflamada) e a absorção (se for insuficiente para o volume secretado).

  • Quais as causas?

O derrame pleural ocorre mais frequentemente em crianças por causa de pneumonias graves, principalmente nas menores de cinco anos, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Nesses casos, é chamado de “derrame pleural parapneumônico” (DPP), e decorre da produção aumentada de líquido pleural por causa da inflamação associada à pneumonia. Na maioria das vezes também há um extravasamento de proteínas para o espaço pleural neste processo.

O DPP pode ser classificado como complicado e não complicado, de acordo com o seu aspecto e conteúdo. No primeiro caso o líquido encontra-se estéril, no outro, é infectado.

À medida em que há piora evolutiva da inflamação pleural, o líquido pleural inicialmente claro e livre, pode se tornar espesso e septado (separado em pequenas coleções por aderências inflamatórias que se formam entre as camadas da pleura).

  • Como é feito o diagnóstico?

No exame físico já é possível suspeitar de um derrame pleural parapneumônico. A confirmação se dá por métodos de imagem, desde uma radiografia simples de tórax ou ultrassonografia até uma tomografia computadorizada de tórax com contraste (usada em casos específicos conforme o julgamento dos médicos responsáveis pela criança). Os exames de imagem, além de sugerir o diagnóstico de um derrame pleural, podem ajudar a diferenciar o DPP complicado do não complicado.

  • Como deve ser o tratamento?

O tratamento adequado para cada caso pode evitar a internação prolongada e complicações tardias, em especial o encarceramento pulmonar (isto ocorre quando o pulmão fica “preso” dentro de uma cicatriz rígida e não consegue se expandir e funcionar plenamente), proporcionando melhor qualidade da assistência e redução do sofrimento físico e emocional das crianças e suas famílias.

O manejo do derrame parapneumônico complicado deve ser feito de forma organizada e sistemática e o mais precoce possível. Isso possibilita uma abordagem mais racional, com redução de custos do tratamento e tempo de internação.

O mais comum é tratar a pneumonia com antibióticos e só observar o derrame pleural, que também pode ser esvaziado puncionando a cavidade pleural com uma agulha apropriada, a fim de recuperar de imediato a capacidade de expansão pulmonar. Isto é chamado de TORACOCENTESE e serve para tratar derrames pleurais não complicados.

Nos derrames pleurais complicados, o aspecto do líquido é turvo ou purulento, frequentemente com loculações e traves que limitam a expansão pulmonar. Nestes está indicada uma drenagem torácica associada ao uso de fibrinolíticos, que são remédios utilizados tradicionalmente na dissolução de trombos sanguíneos e também conseguem “dissolver” os septos e as loculações dos derrames pleurais, tornando o líquido pleural mais fluido, favorecendo o esvaziamento da cavidade pleural e a expansão pulmonar.

Este tratamento é pouco invasivo, depende de materiais simples e menos caros do que os tratamentos por videotoracoscopia. Geralmente inserir um dreno fino é suficiente. Se este tratamento falhar, ainda é possível tratar o paciente com cirurgia.

O tratamento com fibrinolíticos está contraindicado se houver uma fístula broncopleural relevante, sangramentos sérios anteriores (especialmente intracranianos), acidente vascular cerebral nos últimos 3 meses, tumor maligno, dano ou malformação arteriovenosa no sistema nervoso central, sangramento ativo e alergia à alteplase ou à gentamicina.

  • Qual a incidência de derrame pleural em crianças?

Cerca de 40% das crianças internadas com pneumonia apresentam derrame pleural. Em torno de 10% delas necessitarão de drenagem cirúrgica.

  • Quando é necessário um procedimento cirúrgico? Quais são as opções?

O tratamento de alguns derrames pleurais complicados pode precisar de um desbridamentos cirúrgico, por videocirurgia (toracoscopia videoassistida – VATS) ou cirurgia aberta (toracotomia).

Um desbridamento cirúrgico deve ser considerado quando não se obtém melhora após o início do tratamento adequado (antibioticoterapia e drenagem torácica/fibrinólise), com persistência de febre e dificuldade respiratória e/ou exames que não melhoram.

O VATS consiste num desbridamento mecânico (“limpeza”) através de pequenas incisões no tórax que são usadas para inserir uma lente (para visualizar o que está sendo feito) e alguns instrumentos cirúrgicos especiais. Normalmente a cirurgia é encerrada com a instalação de um dreno torácico. Tem como vantagens com relação às cirurgias clássicas abertas menor dor pós-operatória, cicatrizes menores e ausência do risco de deformidade torácica futura, mas necessita de material de videocirurgia disponível. É seguro e eficiente, mas não é, como qualquer cirurgia, isento de riscos, e precisa ser realizado por profissional devidamente capacitado, num hospital com a segurança necessária e disponibilidade de um centro de terapia intensiva pediátrica.

A toracotomia é outra forma de realizar esta limpeza mecânica, usando uma incisão na parede torácica. Também necessita de dreno após a cirurgia. Tem como vantagem só precisar do material cirúrgico convencional.

Os dois procedimentos são realizados obrigatoriamente sob anestesia geral.

O dreno é retirado no período pós-operatório quando a drenagem é inferior a 0,1 ml/kg/dia, calculado em 12h (desde que não haja obstrução do dreno) e a resolução do derrame é verificada nos exames de imagem.

Em todos os métodos de tratamento, a realização de fisioterapia é fundamental para ajudar a expansão pulmonar.

  • Existe forma de prevenir um derrame pleural?

Infelizmente não. Há uma grande chance de derrame parapneumônico se após 48h/72h horas de tratamento de pneumonia o paciente mantiver febre, taquicardia, ou piora clínica. Crianças maiores podem se queixar de dor torácica do tipo pleurítica.

A transferência do paciente para centros de referência onde haja especialistas (pediatras gerais e especializados em pneumologia, cirurgião-pediátrico e anestesistas com experiência em pacientes pediátricos deve ser considerada precocemente no cuidado à criança com derrame pleural complicado.

Médica cirurgiã pediátrica do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), do Hospital Municipal Jesus, no Rio de Janeiro, e do Hospital Municipal Getúlio Vargas Filho, em Niterói.